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Codesal avalia pelo menos 362 casarões em situação de risco em Salvador

Ao menos 362 casarões avaliados no Centro Antigo da capital baiana estão em situação de risco alto ou muito alto, de acordo com vistorias realizadas pela Defesa Civil de Salvador (Codesal) entre 2018 e 2019. O número representa 33% das 1095 edificações vistoriadas pelo Projeto Casarões, que avalia a existência de risco geológico ou construtivo em imóveis públicos ou particulares.

Entre os casarões avaliados pela Codesal, 319 apresentaram risco médio e outros 311 foram classificados como de baixo risco. De acordo com o informado pela assessoria de imprensa do órgão, os proprietários e/ou moradores são notificados e orientados a recuperar o imóvel e deixar o casarão, se ele estiver ocupado.

Por conta das férias da responsável pelo projeto, a assessoria informou não ser possível fornecer a lista dos casarões avaliados e confirmar o percentual que é tombado individual ou coletivamente.

Há em Salvador, cerca de 70 edificações erguidas para uso residencial são tombadas individualmente pelos órgãos de patrimônio estadual ou federal. Embora os imóveis estejam concentrados nos bairros que integram o chamado Centro Antigo, existem exceções como o casarão tombado pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac) na Fazenda Grande do Retiro.

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) aponta que mais de cinco mil imóveis estão incluídos nos seis conjuntos arquitetônicos tombados pelo órgão, que extrapolam os limites do Centro Histórico, incluindo trechos entre os Mares e a Penha, e poligonais da Soledade, Comércio, Dois de Julho e outras áreas.

Integrando conjunto tombado pelo Iphan e com tombo individual do Ipac, o Solar Bandeira, na Ladeira da Soledade, tem paredes internas escoradas com estruturas enferrujadas e o sistema de informações do Ipac indica que seu estado de conservação é ruim. No entanto, a situação do imóvel, erguido na segunda metade do século XVIII, não impede o uso comercial de algumas áreas do térreo.

Ao longo da rua, resquícios de adesivos de interdição sinalizam a ocorrência de desabamento anterior, como nas casas 156 e 158, onde só restam as fachadas. No casarão 131, que serve de acesso para a Avenida Lourdes, a parte metálica de algumas escoras da fachada partiu e ficou sem sustentação na base cimentada.

Morador da avenida há cerca de 30 anos, o porteiro Manuel Messias, 61, conta que antes o pavimento superior era dividido em residências, mas está desocupado desde 2012, quando o piso do primeiro andar do casarão desabou. Atualmente, o imóvel abriga a caixa de Correios da avenida e serve de estacionamento para motos.

O Solar é uma propriedade privada, assim como a maioria dos imóveis de Salvador tombados individualmente ou em conjunto pelo Iphan, segundo informações da assessoria de imprensa do órgão.

Iphan

Por e-mail, a assessoria diz que “não há, atualmente, projeto de recuperação para imóveis de uso residencial que esteja sendo executado pelo Iphan”. O texto ressalta que o órgão está à disposição para orientar proprietários na elaboração de propostas para captar recursos em programas como o Fundo de Direitos Difusos do Ministério da Justiça e a Lei de Incentivo à Cultura.

A equipe reforça que a partir do tombamento, o Iphan passa “a ter responsabilidade no acompanhamento da preservação”, mas a responsabilidade pela conservação continua sendo dos proprietários. Quando o dono não preserva o imóvel, o instituto pode autuar e emitir multas, como aconteceu com o casarão da Rua Conselheiro Dantas, no Comércio. O imóvel começou a soltar pedaços no último dia 22, levando à demolição de pequena área de sua fachada.

O proprietário foi autuado e multado em 2017, mas não apresentou o projeto de recuperação, nem mesmo após aplicação de nova multa, no valor de R$ 300 mil, em fevereiro do ano passado. Segundo o Iphan, em reunião com o advogado do proprietário, um dia após o desabamento parcial, ficou acertada a realização de intervenções emergenciais. Não foi informada uma data para início. Questionado sobre os mecanismos de fomento à preservação e recuperação de casarões históricos na Bahia, o Ipac não deu retorno até o fechamento dessa reportagem.

Falta de política para a área compromete preservação

Mestre em conservação e preservação, o arquiteto e urbanista Ernesto Regino Xavier de Carvalho considera que o patrimônio arquitetônico em Salvador e toda a Bahia vem sofrendo os impactos da ausência de uma política de governo efetiva para a área.

Conselheiro titular do Conselho de Arquitetura e Urbanismo da Bahia, Carvalho diz que nos últimos quinze anos tem havido apenas ações pontuais, com resultados idem. “Qualquer que seja o recurso voltado para o patrimônio nesse momento, ele ainda é incipiente, dada a quantidade de patrimônio que temos a preservar”, pondera.

“É preciso manter um olhar contínuo, principalmente em duas vertentes: a primeira é entender o patrimônio e sua situação, a segunda é buscar formas eficientes de atuar sobre ele”, indica o arquiteto, apontando caminhos para mudar essa realidade.

Carvalho comenta que na maioria das vezes, esses imóveis em áreas históricas têm apenas o térreo ocupado, no máximo o primeiro pavimento, e defende que os demais espaços podem ser utilizados de diversas formas, incluindo habitação. “Um imóvel abandonado se degrada três vezes mais que um imóvel mal conservado”, alerta.

“O patrimônio não precisa estar engessado como se fosse uma velharia sem serventia. Precisamos olhar para o patrimônio como uma área construída, que durou vários séculos, que obviamente precisa de uma atenção característica, mas é viável. Tanto é viável que é uma das âncoras do nosso turismo”, conclui o urbanista.

Programas favorecem recuperação de imóveis

Dois programas para recuperação de edificações do Centro Antigo estão em andamento em Salvador, um da Secretaria Municipal de Desenvolvimento e Urbanismo (Sedur), com foco nos imóveis particulares; outro realizado pela Companhia de Desenvolvimento Urbano da Bahia (Conder), com imóveis pertencentes ao Estado.

O programa municipal Revitalizar oferece benefícios fiscais para reforma, recuperação e edificação de imóveis no Centro Antigo, abrangendo áreas do Tororó, Liberdade, Nazaré, Macaúbas, Calçada e outros bairros. Para participar é preciso apresentar um projeto de recuperação, com indicação do arquiteto e do engenheiro responsáveis, e sinalizar o uso, que pode ser diferente da finalidade original do imóvel.

O titular da Sedur, Sérgio Guanabara, explica que os projetos aprovados recebem o perdão de dívidas tributárias com o Município e redução de 50% do valor do IPTU (Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana) por cinco anos, o que pode ser prorrogado por mais cinco.

Se o uso do imóvel for na área de serviços, o proprietário terá ainda redução do ISS (Imposto sobre Serviços de qualquer natureza) de 5% para 2%. Guanabara acrescenta que se a concretização do projeto proposto envolver a venda do imóvel, há também isenção do ITIV, imposto cobrado na transferência de propriedade.

Segundo a Sedur, entre 2017 e 2019, 51 projetos foram apresentados, sendo 36 aprovados e um ainda em análise. Ele explica que o indeferimento de quatorze propostas foi causado pela localização do imóvel fora da área do programa.

Uma outra exigência do Revitalizar é a aprovação do projeto pelo órgão de patrimônio responsável pelo seu tombamento, seja ele individual ou como parte de conjunto arquitetônico. A aprovação do Ipac ou Iphan também é parte indispensável do programa da Conder, que reforma casarões para uso habitacional.

Moradia

O diretor de Habitação e Obras da Conder, Maurício Mathias, explica que as unidades habitacionais são destinadas a servidores públicos e habitação de interesse social. Ele conta que até o momento, 41 casarões foram recuperados, com preservação das fachadas e divisão interna em unidades de moradia, resultando no atendimento a 108 famílias.

Mathias informa que atualmente um casarão com oito unidades de moradia está na fase final de recuperação e outros cinco estão prontos, aguardando terminar a etapa de chamamento das famílias que serão contempladas. O diretor acrescenta que todos os imóveis ficam em poligonais tombadas.

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