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Gilberto Gil, o ancestral contemporâneo

Foto: Sarau do Badá

Gilberto Gil, 81, reencontrou Salvador neste fim de semana em dois shows acompanhado de filhos, netos e bisnetos em uma lotada Concha Acústica do Teatro Castro Alves. Retratos da família surgiram no telão em “Babá Alapalá”, e foi neste momento que ele compartilhou com o público o que hoje parece óbvio, mas não era até ter ser dito por alguém: Gilberto Gil é um ancestral contemporâneo.

Disse ele no show, entre uma canção e outra: “Eu sou filho de Xangô. Pertenço, portanto, a essa linhagem toda que acabei de descrever. Um amigo meu escreveu uma coisa minha esses dias… disse que, em resumo, eu acabo sendo um ancestral contemporâneo. Sendo assim, quando me for, estarei na linhagem do povo iorubá, baiano, brasileiro. E um dos traços dos ancestrais é a prole”.

O amigo, sujeito oculto da frase, é o baiano Claudio Leal, um dos mais destacados jornalistas de cultura do país. Em 26 de junho, aniversário de Gil, Claudio escreveu uma ode que celebra os 81 anos do mestre tropicalista a pedido de outro amigo, o produtor cultural Geraldo Badá.

Vale cada palavra: confira

Somos tripulantes. Gilberto Gil é a viagem. Nas canções reflexivas, Gil engendra em Gil a nossa individualidade quase fingindo que fala apenas de si. Ouvimos no violão sua sanfona, seu reggae, seu candomblé, seus resíduos de samba, seu riff antirracista, e logo a música se converte em seus, em nossos batimentos cardíacos. Suas verdades, suas dúvidas, suas contradições se universalizam. Passamos a ser o mundo, o Brasil, a Bahia, o carnaval, a utopia tropicalista realizada em várias aspectos da realidade, apesar do mundo, do Brasil e da Bahia, mas jamais do carnaval e do Gandhy.

Ele nos leva com frequência a uma rara indiferenciação entre sentimentos do músico e do espectador. Em sua presença física, que também vibra como música, Gil engendra em Gil o amor do patriarca benigno, o recolhimento-gil, a especulação ainda não compartilhada, a paixão pelos acontecimentos, a melodia insinuada, a crença em Deus que é mais uma de suas crenças nos homens e talvez nos deuses. Das tantas conversas com Gil sempre saí contagiado por sua poética do efêmero, sua capacidade de tocar as circunstâncias com uma leitura sem tempo, impregnada de orientalismo existencial e ocidentalismo estratégico.

Hoje o mestre faz 81 anos. Meu amigo Geraldinho Badá me acordou com mais um de seus pedidos urgentes. Quem o conhece entenderá seu sentido singular de urgência. Badá queria um texto de feliz-aniversário ao amigo. Para assinarmos em conjunto, em tributo a um belo momento no último carnaval.

Num sábado de folia, Gil nos contou como seu primeiro violão foi afinado pelo violeiro Codó, no barco em direção a Salinas das Margaridas. “Codó, acabei de comprar este violão, mas ainda não sei afinar”, disse o garoto vindo do centro de Salvador. Afinando-o no mar, Codó agiu em nome da ancestralidade. Desde esse dia Gil afina seu próprio violão e canta como um ancestral contemporâneo, síntese de seus ancestrais.

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