Uma técnica inovadora de transplante de células-tronco restaurou, pela primeira vez, a visão de pacientes com danos severos na córnea. O procedimento foi realizado em quatro pessoas, com três delas apresentando melhora significativa e duradoura, enquanto a quarta, com o quadro mais grave, registrou uma leve recuperação após um ano. Os resultados foram publicados na revista científica The Lancet no início de novembro.
A técnica foi aplicada em pacientes com deficiência de células-tronco limbares (LSCD, na sigla em inglês). Essa condição ocorre quando há falta dessas células essenciais, o que faz com que a córnea perca sua transparência ao ser coberta por tecido de cicatrização, resultando em cegueira. O problema pode ser causado por traumas oculares, infecções como herpes ocular, doenças autoimunes ou fatores genéticos.
Atualmente, os tratamentos incluem o transplante de células da córnea extraídas de um olho saudável do próprio paciente ou, em casos mais graves, o uso de córneas de doadores falecidos. No entanto, ambos os métodos apresentam desafios: no primeiro, os resultados são incertos, e o procedimento é invasivo; no segundo, há risco de rejeição pelo sistema imunológico do paciente.
Avanço revolucionário
Os cientistas adotaram uma abordagem inovadora, utilizando células-tronco pluripotentes induzidas, tecnologia baseada nas pesquisas de Shinya Yamanaka e John Gurdon, ganhadores do Prêmio Nobel em 2012. O método permite reprogramar células maduras, como as do sangue, para um estado semelhante ao das células-tronco embrionárias, que podem se transformar em qualquer tipo de célula.
No estudo, células sanguíneas de doadores saudáveis foram reprogramadas para criar uma camada fina e transparente de células do revestimento da córnea. Durante a cirurgia, o tecido cicatricial que cobria a córnea danificada foi removido, e as células epiteliais cultivadas em laboratório foram transplantadas. O enxerto foi fixado com suturas finas, e uma lente de contato terapêutica foi utilizada para proteger a área e auxiliar na cicatrização.
Dois anos após os transplantes, nenhum dos quatro pacientes – dois homens e duas mulheres, com idades entre 39 e 72 anos – apresentou efeitos colaterais graves. Além disso, não houve rejeição imunológica ou formação de tumores.
Expectativas futuras
“O diferencial desse tratamento é que ele reduz significativamente o risco de rejeição, já que dispensa a necessidade de doadores compatíveis”, explicou o oftalmologista Flávio MacCord, diretor da Sociedade Brasileira de Oftalmologia (SBO).
Para MacCord, a nova técnica tem o potencial de revolucionar o tratamento de casos complexos de deficiência de células-tronco do limbo, reduzindo a dependência de doadores e oferecendo uma alternativa mais segura e eficaz para pacientes que enfrentam a cegueira causada por danos severos na córnea.