Além das proibições de gestos, roupas e outros sinais apropriados por facções criminosas, grupos de traficantes em Salvador estão restringindo o uso de celulares em áreas onde atuam. A medida, voltada a pessoas que não moram nos bairros controlados pelo tráfico, tem como objetivo impedir a captura de imagens e limitar a circulação de informações. Quem desobedece a regra pode ser punido com espancamentos.
De acordo com um policial militar que prefere não se identificar, a ação é uma estratégia dos criminosos para dificultar o trabalho da polícia e combater espiões de grupos rivais. “A prática de proibir celulares não é nova, especialmente em festas de paredões promovidas pelo tráfico. Agora, essa restrição nas ruas para pessoas que não são do bairro tem o mesmo objetivo: evitar que os traficantes sejam identificados e reduzir o nível de informações que chegam aos rivais ou à polícia. O espancamento é uma forma de impor medo, assim como as mortes relacionadas a sinais usados pelas facções”, explica o policial.
O policial militar Alan Santos, conhecido nas redes sociais por vídeos sobre violência e segurança pública em Salvador, confirmou a existência da prática e citou os bairros Liberdade, IAPI, Garcia e Suburbana como locais onde a restrição ocorre. “O cara não pode entrar no bairro com o celular na mão. Se entra, eles pegam a pessoa e espancam. Não te escutam, simplesmente agem”, relatou.
Alan também compartilhou um caso específico em que um jovem foi agredido ao tentar usar o celular para localizar parentes. “O menino estava chegando na casa de familiares e fez uma chamada de vídeo. Antes que os parentes chegassem, os criminosos o espancaram. Ele precisou ser internado e passou por cirurgia. Era uma criança”, contou o PM.
Outro policial ouvido pela reportagem, que também pediu anonimato, destacou que os casos não são generalizados, mas se concentram em áreas de confronto intenso, como o IAPI, onde grupos rivais disputam o território. “Ainda são poucos registros, mas isso existe, principalmente em lugares onde a guerra entre facções, como o Comando Vermelho e o Bonde do Maluco, é constante.”
Governança pelo terror
A restrição ao uso de celulares é vista como mais uma forma de domínio e terror imposta pelas facções. O coronel reformado da Polícia Militar e especialista em segurança pública Antônio Jorge Melo avalia que essas ações fazem parte de uma estratégia maior para consolidar o controle sobre as comunidades.
“Essas facções estão ampliando seu domínio por meio do medo, impondo regras e limitando a liberdade das pessoas. Isso é apenas mais um passo para fortalecer a governança criminosa sobre os moradores das áreas onde elas atuam”, analisou Melo.
Além das restrições ao uso de celulares, moradores relatam ameaças e até mortes motivadas por gestos, expressões, roupas e até cortes de cabelo, considerados ofensivos ou ligados a facções rivais. A situação evidencia a expansão do controle e da influência do tráfico sobre a rotina de diversas comunidades na Bahia.