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Disputa de terras envolve inventário fraudulento em caso reconhecido pelo MP da Bahia

Anulação do atestado de óbito foi determinado pela justiça

Em disputa judicial por um terreno localizado no oeste baiano que se arrasta há mais de 30 anos. Esse é o pano de fundo da região rural conhecida como Fazenda São José, em Formosa (BA), que abrange 360 mil hectares. O que poucos dizem é que o caso envolve escriturados provenientes de um esquema reconhecido pelo Ministério Público da Bahia como uma fraude judicial de certidão de óbito.

De um lado, o empresário José Valter Dias, que deu início ao processo judicial alegando que tinha comprado o terreno de herdeiros. Em 1983, Delfino Ribeiro Barros, dono de alguns milhares de hectares de terra da Fazenda São José, morreu. Este cedeu aos seus filhos o terreno que havia sido deixado pelo pai, Eustáquio Ribeiro de Souza. Anos depois, os herdeiros cederam os direitos das terras para Dias, o que foi validado pelo juízo da comarca de Formosa do Rio Preto (BA). As terras foram registradas sob a matrícula 1037.

Do outro, famílias de agricultores que conseguiram a terra a partir das matrículas provenientes das 726 e 727 que foram conseguidas por meio de uma fraude reconhecida pela MInistério Público. Tudo começou no final do século XIX, quando foi registrada na Comarca de Santa Rita de Cássia (BA) a Fazenda São José, em nome de Suzano Ribeiro de Souza, sob a matrícula 54.

Registros apontam que Suzano faleceu, na verdade, em 1890 deixando viúva Maria Conceição Ribeiro. Quase a mesma época em que José Valter Dias entrou com o processo alegando a posse das terras, David Czertok e Albertoni de Lemos Bloisi decidiram fraudar um atestado de óbito de Suzano, alegando que a data da morte deste seria em 14 de março de 1894. A dupla então alegou ser cessionários dos direitos hereditários do terreno de Suzano.

Em dezembro de 1978, eles conquistaram a concessão do imóvel de Suzano. Foi então que teve origem a abertura de um inventário falsificado e os registros de matrículas de imóveis 726 e 727. A farsa foi descoberta em 2005, e, diante das diversas ações possessórias ajuizadas nas Comarcas de Santa Rita de Cássia e de Formosa do Rio Preto, BA, o Ministério Público do Estado da Bahia anulou a certidão de óbito ao juízo da Comarca de Corrente, PI, quando se reconheceu juridicamente a fraude. A ação de nulidade de assentamento de óbito foi dada no processo judicial 1781, de 2005. Em 2007, a portaria nº 909 proferida pela Corregedoria Geral da Justiça da Bahia acatou o pedido do MP e determinou a anulação das matrículas 726 e 727.

Grande questão é que essas duas matrículas foram vendidas, ainda na década de 80, para um pequeno número de famílias de agricultores, que obtiveram um financiamento do projeto governamental Programa para o Desenvolvimento dos Cerrados (Prodecer). Ao longo dos anos, os agricultores foram vendendo lotes menores da região e, assim, hoje existem várias sub matrículas advindas do documento fraudulento.

Ou seja, de um lado há a matrícula 1037 de José Valter Dias conseguida, segundo ele, por direito possessório comprado dos herdeiros e também subdividida de maneira legal para centenas de outros compradores. No outro, tem-se as matrículas provenientes das 726 e 727 que foram conseguidas por meio de uma fraude reconhecida pela MP.

Ação questiona no STF interferência do CNJ

Por duas vezes, a Justiça da Bahia reconheceu que José Valter Dias é o verdadeiro dono do terreno. Porém, em voto-vista da conselheira Maria Tereza Uille Gomes, seguido pela maioria do colegiado, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) derrubou uma portaria dada pelo TJ-BA em julho de 2015 que determinava a reintegração de posse a Dias. A decisão do CNJ foi dada em pedidos de providência ajuizados pela Bom Jesus Agropecuária, uma das maiores empresas do segmento no Brasil, com sede no estado de Mato Grosso.

Segundo o entendimento de Maria Gomes, “a judicialização da matéria não pode impedir a intervenção do CNJ de um lado, e admitir a atuação irrestrita do Tribunal, de outro. Tampouco, possibilitar a edição de um ato administrativo com o fim deliberado de cancelar matrículas e desconstituir títulos vigentes há mais de três décadas”.

Em reflexo à atuação da conselheira, uma reclamação (RCL 38158) foi enviada ao Supremo Tribunal Federal (STF) solicitando a suspensão dos efeitos de decisão proferida pelo CNJ. A peça está sob relatoria do ministro Ricardo Lewandowski. Para os advogados que acionaram o Supremo, “ao conselho é vedada a atuação como uma Corte de cassação ou de revisão de decisões judiciais”.

A reclamação em questão (38158) cita como argumento a decisão da Corte no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3367, que tratou sobre os limites constitucionais da atuação do Conselho Nacional de Justiça. No último andamento, o ministro relator, Ricardo Lewandowski, pediu informações ao CNJ. Após receber os dados, o relator irá decidir se concede ou não a liminar requerida.

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