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DIA DE DONA CANÔ

POR: CAETANO IGNÁCIO

DONA CANÔ - FOTO: REPRODUÇÃO (ARQUIVO)

Hoje é a data de aniversário de minha madrinha. Claudionor Viana Teles Veloso. Meu pai me nomeou Caetano em homenagem ao filho dela. E depois ela me batizou, abençoando o nascimento.

Desde então, meu pai passou a chamá-la de “minha comadre”, e não mais Dona Canô. E ela passou a chamá-lo de “meu compadre”, e não mais Jorge Portugal ou Jorginho.

Eu e minha madrinha fomos amigos desde que me entendo por gente. Somos do mesmo signo. Não sei de onde tirei a ideia de presenteá-la com um buquê de flores sempre que a visitava. E o fazia com frequência, quase toda semana. Flores arranjadas do quintal da casa de minha vó Da Paz, quase vizinha de minha madrinha. Margaridas brancas e amarelas, copo de leite, veludo, orquídea…

Ela dizia que eu tinha crescido, abria um sorriso sereno de gratidão e eu lhe tomava a benção. Em retribuição, ela me dava pirulitos em forma de cone, feitos com esmero por Isaura. Ela me perguntava sobre a família e os estudos. E me falava de filmes, notícias, festas (o Terno de Reis Filhos do Sol, os carurus e aniversários), dos netos, de Bethânia, de quem recebia telefonemas constantes.

Era comum nossa conversa ser atravessada por turistas, dos quais ela se lembrava com precisão fantástica, mesmo que tivesse visto a pessoa apenas uma vez e há muito tempo.

Nunca a vi alterar a voz. Nem brigar. Nem destratar ninguém. Nem quem dela falasse mal. A propósito, acolher a diversidade, com naturalidade, mesmo sendo uma católica devota do início do século 20, era uma arte que ela praticava com maestria.

E como amava Santo Amaro! Lembro de retratos dela com Lula e com ACM na galeria da sala de estar. Fazia a política do afeto, com efeitos benéficos para a cidade. Tanto que a Novena de Nossa Senhora da Purificação ficou conhecida como Novena de Dona Canô, pelo empenho de minha madrinha em organizá-la, imortalizado no verso de Reconvexo, composição máxima do xará.

Aliás, como ela cantava bem… afinadíssima! Revi o vídeo em ela canta Último Desejo, clássico de Noel Rosa, acompanhada pelo violão maestro de Cézar Mendes. Me chamou atenção a genialidade da interpretação. Eu já sabia da influência musical confessa que Caetano sofreu de minha madrinha, ele que escreve o verso “…em tudo a voz de minha mãe…” em Motriz, uma linda cosmogonia musical de Santo Amaro.

Mas a arte da interpretação, da qual Bethânia é a artífice-mor, foi tão bem dominada ali por minha madrinha, que eu exultei de alegria ao revê-la! Ela começa cantando: “Nosso amor que eu não esqueço/ e que teve seu começo/ numa festa de São João…” olhando em direção a Cézar, como se além de seu par musical, formasse com ele o casal da canção, para quem ela cantava com tom de lamento resignado.

Aí quando ela passa aos versos “…morre hoje sem foguete/ sem retrato e sem bilhete…”, ela vira as costas para Cézar (o violonista), se inclina num olhar perdido e pontua: “sem luar e sem violão”.

E continua nesse corporal até a música chegar à parte do último desejo propriamente dito, quando ela se vira de novo em direção a Cézar, seu par fictício, como se lhe desse o recado final, cobrando atenção:

“…se alguma pessoa amiga/ pedir que você lhe diga/ se você me quer ou não/ diga que você me adora/ que você lamenta e chora/ a nossa separação”…

Então, arremata, cantando com um sorriso delicioso: “E às pessoas que eu detesto/ diga sempre que eu não presto/ que meu lar é um botequim/ e que eu arruinei a sua vida/ que eu não mereço a comida/ que você pagou pra mim”.

Depois que termina a performance, ela ainda pergunta, risonha, em frente da câmera, com a cara mais linda do mundo: Ficou bom?

Não é maravilhosa?!

Enfim, me lembro das palavras de Gil, na festa do centenário dela, quando a repórter lhe perguntou o que ela significava para ele.

Gil parou… pensou, em silêncio… e definiu.

Canô? Canô é a canonização em vida! Hahaha.

Saudade…

Fica, afinal, a sábia lição de sua frase.

Ser feliz é pra quem tem coragem!

CAETANO IGNÁCIO
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